Friday, September 21, 2007

FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO – HEGEL

Fls. 11: “... pelo fato de que a filosofia reside essencialmente no elemento da universalidade, que contém em si o particular, nela mais do que nas outras ciências parece que a coisa mesma, e justamente na perfeição de sua essência, deveria exprimir-se no fim e nos resultados finais. Em face dessa essência, o desenvolvimento seria propriamente o inessencial.”

“Elemento” no sentido de meio que envolve a coisa. O “elemento da universalidade” é o universal concreto que se exprime finalmente no “conceito”.

Hegel explica indiretamente o mecanismo da dialética através do exemplo do botão-flor-fruto, além disto fala sobre a opinião.

Fls. 12: “Assim como a opinião se prende rigidamente à oposição do verdadeiro e do falso, assim, diante de determinado sistema filosófico, ela costuma esperar uma aprovação ou uma rejeição e, na explicação de tal sistema, costuma ver somente ou uma ou outra. A opinião não concebe a diversidade dos sistemas filosóficos como o progressivo desenvolvimento da verdade, mas na diversidade vê apenas a contradição. O botão desaparece no desabrochar da flor, e pode-se dizer que é refutado pela flor. Igualmente, a flor se explica por meio do fruto como um falso existir da planta, e o fruto surge em lugar da flor como verdade da planta. Essas formas não apenas se distinguem mas se repelem como incompatíveis entre si. Mas a sua natureza fluida as torna, ao mesmo tempo, momentos da unidade orgânica na qual não somente não entram em conflito, mas uma existe tão necessariamente quanto a outra; e é essa igual necessidade que unicamente constitui a vida do todo. Mas, de uma parte, a contradição que se dirige contra um sistema filosófico não costuma entender-se a si mesma dessa maneira e, doutra parte, a consciência que apreende tal contradição não sabe liberta-la e mantê-la livre com relação à sua unilateralidade, nem reconhecer momentos necessários na figura do que aparece sob a forma de luta e oposição contra si mesmo.”

Sobre a questão da finalidade de um sistema filosófico e a sua diversidade em relação aos demais sistemas. Isto é de fato o mais importante?

“Onde se poderia exprimir melhor o cerne de um escrito filosófico do que nos seus fins e resultados, e onde poderiam estes ser melhor conhecidos do que na diversidade com o que a época atual produz na mesma esfera?” >>> esta é a noção corrente do senso comum.

A resposta de Hegel:

“O fim para si é o universal sem vida, assim como a tendência é o puro impulso que ainda carece de sua realidade efetiva; e o resultado nu é o cadáver que a tendência deixou atrás de si. Do mesmo modo, a diversidade é sobretudo o limite da coisa. Ela começa onde a coisa termina e é o que a coisa não é.”

Fim ‘para si’: “para si” é o reflexo exteriorizado de algo “em si”. É algo que se aproxima da representação externa que este algo produz e que o reflete, mas que não é ele em si mesmo. É o que o mundo (o em torno) reflete, através de suas múltiplas formas de manifestação, do que este algo é em si mesmo, “antes” de qualquer manifestação. Antes entre aspas, no sentido de um anterior lógico e não no tempo. Ou seja, para que eu estivesse escrevendo isto, que sou eu “para si”, eu devo “antes” ter uma existência “em si”. Tudo o que eu produzo me refletirá mais ou menos bem. Quando tudo ao meu redor me refletir perfeitamente, aí então terei uma existência plena, pois o eu “em si” será idêntico ao eu “para si”.

O universal para Hegel é qualquer coisa que se apresente com a característica da generalidade, ou seja, de ser gênero, em cujo interior existem as espécies. O melhor exemplo do universal é a lei. Uma lei jurídica, por exemplo, é uma expressão de um universal. Assim, desde quando se define a maioridade ou a pena para o homicídio, tais são expressões jurídicas generalizantes para todos os fatos particulares que, num certo tempo, possam estar enquadrados em seus limites gerais. Outro exemplo de universal é o dinheiro. Mas aí como valor. Ou seja, se queremos saber quantos teclados valem um mouse teremos de convertê-los em um valor universal.

O “fim” descoberto ou refletido em palavras, ou seja, a finalidade de algum sistema filosófico traduzido em seus possíveis resultados práticos, em seus “objetivos” é o universal sem vida, pois já não é o universal ocorrendo em seu “habitat” natural. No seu habitat natural o universal renova-se a todo instante. Assim, dizer qual a finalidade do dinheiro, ou seja, “serve para comprar e vender coisas” não é nada frente ao ter efetivamente dinheiro para comprar e dele efetivamente se utilizar para vender coisas.
Ver o dinheiro funcionando é exemplo de se conscientizar do universal em si e para si vivo. Definir-lhe a finalidade é uma mera abstração, ou seja, é um fim “para si”, onde o universal já jaz sem vida.

Por isso que o “resultado nu é o cadáver que a tendência deixou atrás de si”, pois tudo aquilo que se conseguiu com um certo sistema filosófico, por exemplo, é somente o resultado da tendência. Ele assim “nu” ou seja, uma mera demonstração de resultados, nada mais é do que um cadáver (coisa do passado que não influencia mais o presente, memória) de um conjunto de tendências.

Fls. 13:
E a “diversidade é sobretudo o limite da coisa”, pois o modo de trabalhar em que se buscam fins e resultados, “em lugar de se prender à coisa, esse modo de proceder sempre passa superficialmente sobre ela. Em lugar de nela demorar-se e de esquecer-se a si mesmo nela, esse saber se prende sempre a algo diverso e permanece de preferência em si mesmo, ao invés de estar na coisa e de se entregar a ela. O que há de mais fácil é julgar o que possui conteúdo e densidade. Mais difícil é apreendê-lo e o mais difícil é produzir a sua exposição, que unifica a ambos.”

Aquele que busca a filosofia para obter um resultado, na verdade, busca apenas atender-se a si mesmo. Não busca a verdade em si mesma. E por isso mesmo, conforme Hegel, não consegue desligar-se de si e mergulhar na coisa que estuda, seja ela qual for. Não consegue abandonar-se e passa então a apenas julgar as coisas, produzindo um conhecimento superficial, que não é filosófico, ou seja, que não o aproximará da verdade.
O contrário disto é, de fato, apreender a verdade da coisa, e, mais ainda, “produzir a sua exposição”

Nota de rodapé: ‘exposição’ é “a apresentação da coisa na qual o seu conteúdo e a sua universalidade se unificam no momento de sua autocompreensão no conceito. Opõe-se a ‘representação’, que permanece exterior à coisa.”

Representação para Hegel é uma mera descrição da coisa, mera tradução em símbolos da coisa. Sejam tais símbolos as palavras, imagens, teatralizações, não importa. A mera descrição fica na superfície da coisa, não mergulha em sua interioridade, em sua essência, ou seja, no que a torna ela mesma. É o mesmo que dizer que minha noiva é alta, magra, e bonita. Isto é uma mera representação. Ou mesmo apresentar uma foto dela, ou mesmo imitar ela, seus gestos e trejeitos pessoais. Nada disso se aprofunda naquilo que realmente diz quem ela é. A exposição, na linguagem própria de Hegel, ao contrário, mais que mera descrição, mera representação, consegue mesmo comunicar aos outros a compreensão de quem ela é. E o faz unificando o conteúdo próprio dela com termos, noções ou mesmo comparações gerais, universais. Na representação não se atinge este conteúdo, ela fica na mera universalidade. Assim digo – na representação – que ela é “bonita”. Tal qualificação é um universal. Quem ouve isso irá comparar com o que conhece por “bonito” e irá ligar isso na pessoa da qual eu falo. Mas como ser bonita não é o mais importante, ou seja, aquilo que realmente traz à luz a essência, o conteúdo em si, que torna especial minha noiva, então não tal é mera representação.

Para se chegar à exposição, deve-se chegar ao conteúdo. Chegar a este conteúdo é o movimento que faz a filosofia. Quando se é capaz de ver o conteúdo, e para isto terá o filósofo que se entregar à coisa que estuda, “esquecer-se de si mesmo nela”, então ele deverá conseguir unificar tal conteúdo com a universalidade própria daquela coisa, o que se dá no momento da autocompreensão, ou seja, a coisa se mostra a si mesma, numa verdadeira autocompreensão, mas não dela em si mesma, mas dela em algo que assim vai aos poucos se revelando, que é o conceito. No conceito o conteúdo da coisa – seu ser em si – se unifica em sua universalidade, no que ela é para o todo, para o geral. A diferença entre o iogui e o filósofo está em que o primeiro contenta-se em apreender o conteúdo da coisa, enquanto o segundo sente-se no dever da exposição, e é neste segundo passo que vai se formar a cultura:

“O começo da cultura e do trabalho para sair fora da imediatidade da vida substancial consistirá sempre em adquirir conhecimento de princípios e pontos de vista universais e esforçar-se no início somente por elevar-se ao pensamento da coisa em geral, bem como sustentá-la ou contradizê-la com razões, apreender a concreta e rica plenitude segundo as determinidades, e saber compartilhar a seu respeito uma informação metódica e um juízo sério. Mas esse começo da cultura deverá primeiramente dar lugar à seriedade da vida plena que conduz à experiência da coisa mesma.”

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